quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ensaio Sobre a Cegueira

Atento à dica que o nosso amigo Hamilton (ex-aluno da FIC e atual jornalista) deu no antigo blog “projornalistas”, procurei ler (e não assistir, como ele sugeriu) a obra de José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira. Aproveitando o recesso do trabalho neste final de ano, mergulhei nessa interessante leitura. À primeira vista (sem trocadilhos) não fiquei muito atraído pela história, afinal, pensava eu, o que é que pode acontecer de extraordinário quando algumas pessoas perdem a visão? Não convivemos diariamente com deficientes visuais que se viram melhor do que certas pessoas que, às vezes, aparentam ter mais do que dois olhos? Ledo engano. A obra não trata desse tipo de cegueira, mas de uma falta de visão que vai muito além da perda dos olhos. Fala da perda da dignidade, do caráter e da própria razão de viver. Saramago consegue, de forma magistral, estender a cegueira de seus personagens ao atento leitor. Confesso que fiquei alguns dias sem conseguir fechar os olhos por muito tempo, temendo que a brancura que substituiu a visão de seus personagens pudesse, de alguma forma, contaminar-me. Pode parecer um pouco de exagero, mas para quem realmente viaja nas páginas que se propõe a ler, o real e o imaginário muitas vezes se cruzam de olhos abertos. O fato é que fiquei chocado com a situação proposta pelo autor. Nunca tinha imaginado que a “simples” falta dos olhos pudesse ocasionar tamanho caos, uma verdadeira “visão” do inferno, como exemplifica um personagem. O cotidiano das primeiras pessoas acometidas da “doença”, trancafiadas em um manicômio por ordem do governo, desperta sentimentos e sensações bem diferentes em cada uma delas. Primeiro vem o medo por não saber onde estão nem tampouco se retornarão aos seus lugares de origem. Depois vem a impotência, ou seja, a constatação da incapacidade de poder executar a simples atividades de caminhar. É como se cada um dos que ali se encontram tivesse acabado de nascer e necessitasse dos cuidados básicos que uma mãe dispensa ao filho recém chegado ao grotesco mundo. O problema é que eles não têm uma mãe. Apenas uma pessoa entre eles enxerga, mas não se revela, temendo ser “escravizada” pelos demais. Contudo, não se furta de ajudar a cada um, na medida de suas possibilidades. Não pretendo aqui fazer um resumo da obra, apenas evidenciar algumas questões relevantes e que me fizeram refletir sobre o que realmente somos. O pequeno grupo que está no centro da narrativa é composto pelo “primeiro cego”, “a mulher do primeiro cego”, “o médico”, “a mulher do médico”, (a que enxerga), a “rapariga dos óculos escuros” (nesse caso é uma prostituta mesmo), “o homem da venda preta” e “o rapazinho estrábico”, todos assim, sem nome mesmo. Como disse no início, não acreditava que a falta da visão pudesse diminuir em nada um ser humano, mas a forma como tudo acontece e as circunstâncias é que definem o rumo das coisas. É interessante constatarmos como um médico, detentor do conhecimento científico e conhecedor do comportamento humano, pois isso lhe é útil no trato com seus pacientes, de uma hora para outra passa a preocupar-se somente com a porção diária de comida que receberá, quando receberá e se receberá. E não apenas o médico, mas todos os personagens passando da lucidez à insana luta pela sobrevivência. Seres humanos reduzidos a animais semi-racionais, ou pior que isso. A falta de higiene só não assusta mais do que a forma como as pessoas vão se acostumando a ela. Algumas passagens são bem fortes e evidenciam o quanto podemos ser brutos e abruptos (como diria o Ham) com os nossos “semelhantes”. Um novo grupo que chega começa a explorar os mais antigos, causando uma revolta, acredito que mais da minha parte que da deles. Digo isso pelo comodismo que os leva a não pensarem duas vezes antes de trocar suas mulheres por uma porção de alimento. Na verdade elas é que se oferecem, meio que forçadas. Mas os “homens da casa” nada fazem pra impedir (será que estou sendo machista?). Nesse ponto a visão que lhes falta é muito mais moral do que física. Talvez ali estivesse sendo revelado como as pessoas são realmente. Fiquei por algum tempo imaginando como seria um mundo sem olhos e me perguntando se conseguiríamos nos acostumar a isso. Então me veio à mente uma passagem bíblica bem conhecida em que um cego encontra-se à beira do caminho em que Jesus vai passando e, alertado sobre a presença do mestre, começa a gritar em alta voz: “Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!”. Quando recebe a atenção do Filho de Deus, que o indaga acerca do que deseja, ele não titubeia: “Que eu torne a ver!”. Certamente era esse o pensamento de todos ali. Era essa a oração daqueles infelizes seres humanos. Ninguém se acostuma viver na escuridão, mesmo que ela seja branca. Vou assistir ao filme agora. Já sei que vale a pena, segundo nosso amigo Hamiltom, mas também sei que nada se compara à narrativa do livro, com detalhes que só a mente pode captar, e que Fernando Meirelles não conseguiria transferir do papel para a telona. Por isso recomendo aos amigos: Leiam o livro! Vocês não vão se decepcionar.

2 comentários:

  1. Amigo.... ando com tanta preguiça de ler.... Mas, cá estouuuuuuuuuuuuuuuuu


    Hum, eu não segui a dica, mas assisti ao filme!

    Beijos

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  2. Vi o filme e fiquei "com medo" de ler o livro!
    O filme foi muito bom... Mas saí da sala tensa e angustiada. Imagina com o livro?

    Ai, ai... Quando tiver coragem, juro que leio!

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