sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Apenas Jornalista

Autora de fascinantes romances e crônicas sempre atuais, a “Doce Anarquista”, como se autodenominava Raquel de Queiroz, tinha na caatinga uma de suas principais fontes de inspiração literária. Ainda jovem, com seus 17 anos, já era colaboradora do jornal “O Ceará”. Aos 20 publicou seu primeiro romance, “O Quinze”, que lhe rendeu o Prêmio Fundação Graça Aranha. Com 22 anos foi fichada, em Pernambuco, na Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), como “agitadora comunista”. A relação da Dama do Sertão com o partido só não foi maior que o seu amor à literatura. Amor esse ofuscado pela chama produzida pelo Estado Novo, que em 1937 promoveu a queima de seus livros em praça pública. Mas isso não a impediu de continuar escrevendo e ganhando prêmios, dentre os quais podemos destacar o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras; o Jabuti de Literatura Infantil; O Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano e o Camões de Literatura, somente para citar os mais significativos. Convidada por Jânio Quadros para ser Ministra da Educação ela respondeu que não, pois preferia continuar escrevendo e “sendo apenas jornalista”. Escreveu crônicas para o Correio da Manhã, O Jornal e o Diário da Tarde, antes de ser exclusiva da revista O cruzeiro e, em seguida de O Estado de São Paulo”. Raquel de Queiroz partiu no dia 4 de novembro de 2003, antes de completar 93 anos, mas nos deixou ricas lições. Ela dizia que não gostava de escrever, mas era o que sabia fazer e de onde retirava o seu sustento. Isso desmistifica outra lenda do jornalismo, ou seja, que só é jornalista quem gosta de escrever. Essa também é uma lição para a nossa amiga Suiany, que pensa em engavetar seu diploma.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ensaio Sobre a Cegueira

Atento à dica que o nosso amigo Hamilton (ex-aluno da FIC e atual jornalista) deu no antigo blog “projornalistas”, procurei ler (e não assistir, como ele sugeriu) a obra de José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira. Aproveitando o recesso do trabalho neste final de ano, mergulhei nessa interessante leitura. À primeira vista (sem trocadilhos) não fiquei muito atraído pela história, afinal, pensava eu, o que é que pode acontecer de extraordinário quando algumas pessoas perdem a visão? Não convivemos diariamente com deficientes visuais que se viram melhor do que certas pessoas que, às vezes, aparentam ter mais do que dois olhos? Ledo engano. A obra não trata desse tipo de cegueira, mas de uma falta de visão que vai muito além da perda dos olhos. Fala da perda da dignidade, do caráter e da própria razão de viver. Saramago consegue, de forma magistral, estender a cegueira de seus personagens ao atento leitor. Confesso que fiquei alguns dias sem conseguir fechar os olhos por muito tempo, temendo que a brancura que substituiu a visão de seus personagens pudesse, de alguma forma, contaminar-me. Pode parecer um pouco de exagero, mas para quem realmente viaja nas páginas que se propõe a ler, o real e o imaginário muitas vezes se cruzam de olhos abertos. O fato é que fiquei chocado com a situação proposta pelo autor. Nunca tinha imaginado que a “simples” falta dos olhos pudesse ocasionar tamanho caos, uma verdadeira “visão” do inferno, como exemplifica um personagem. O cotidiano das primeiras pessoas acometidas da “doença”, trancafiadas em um manicômio por ordem do governo, desperta sentimentos e sensações bem diferentes em cada uma delas. Primeiro vem o medo por não saber onde estão nem tampouco se retornarão aos seus lugares de origem. Depois vem a impotência, ou seja, a constatação da incapacidade de poder executar a simples atividades de caminhar. É como se cada um dos que ali se encontram tivesse acabado de nascer e necessitasse dos cuidados básicos que uma mãe dispensa ao filho recém chegado ao grotesco mundo. O problema é que eles não têm uma mãe. Apenas uma pessoa entre eles enxerga, mas não se revela, temendo ser “escravizada” pelos demais. Contudo, não se furta de ajudar a cada um, na medida de suas possibilidades. Não pretendo aqui fazer um resumo da obra, apenas evidenciar algumas questões relevantes e que me fizeram refletir sobre o que realmente somos. O pequeno grupo que está no centro da narrativa é composto pelo “primeiro cego”, “a mulher do primeiro cego”, “o médico”, “a mulher do médico”, (a que enxerga), a “rapariga dos óculos escuros” (nesse caso é uma prostituta mesmo), “o homem da venda preta” e “o rapazinho estrábico”, todos assim, sem nome mesmo. Como disse no início, não acreditava que a falta da visão pudesse diminuir em nada um ser humano, mas a forma como tudo acontece e as circunstâncias é que definem o rumo das coisas. É interessante constatarmos como um médico, detentor do conhecimento científico e conhecedor do comportamento humano, pois isso lhe é útil no trato com seus pacientes, de uma hora para outra passa a preocupar-se somente com a porção diária de comida que receberá, quando receberá e se receberá. E não apenas o médico, mas todos os personagens passando da lucidez à insana luta pela sobrevivência. Seres humanos reduzidos a animais semi-racionais, ou pior que isso. A falta de higiene só não assusta mais do que a forma como as pessoas vão se acostumando a ela. Algumas passagens são bem fortes e evidenciam o quanto podemos ser brutos e abruptos (como diria o Ham) com os nossos “semelhantes”. Um novo grupo que chega começa a explorar os mais antigos, causando uma revolta, acredito que mais da minha parte que da deles. Digo isso pelo comodismo que os leva a não pensarem duas vezes antes de trocar suas mulheres por uma porção de alimento. Na verdade elas é que se oferecem, meio que forçadas. Mas os “homens da casa” nada fazem pra impedir (será que estou sendo machista?). Nesse ponto a visão que lhes falta é muito mais moral do que física. Talvez ali estivesse sendo revelado como as pessoas são realmente. Fiquei por algum tempo imaginando como seria um mundo sem olhos e me perguntando se conseguiríamos nos acostumar a isso. Então me veio à mente uma passagem bíblica bem conhecida em que um cego encontra-se à beira do caminho em que Jesus vai passando e, alertado sobre a presença do mestre, começa a gritar em alta voz: “Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!”. Quando recebe a atenção do Filho de Deus, que o indaga acerca do que deseja, ele não titubeia: “Que eu torne a ver!”. Certamente era esse o pensamento de todos ali. Era essa a oração daqueles infelizes seres humanos. Ninguém se acostuma viver na escuridão, mesmo que ela seja branca. Vou assistir ao filme agora. Já sei que vale a pena, segundo nosso amigo Hamiltom, mas também sei que nada se compara à narrativa do livro, com detalhes que só a mente pode captar, e que Fernando Meirelles não conseguiria transferir do papel para a telona. Por isso recomendo aos amigos: Leiam o livro! Vocês não vão se decepcionar.

Eu conheci Adísia Sá!

Confesso que o título é um tanto pretensioso, afinal, para conhecer Adísia eu necessitaria de muito mais do que os poucos minutos que estive com ela. Foi um encontro rápido, meio despretensioso, mas que valeu muito a pena. Ela estava em visita à empresa em que trabalho, daí tive a oportunidade de trocar algumas palavras com ela. Foi o suficiente para tornar-me ainda mais fã dessa pessoinha formidável. Estudante de jornalismo que sou, o sentimento que me invadiu foi o de um filho que, depois de muitos anos, conhece a mãe que o gerou. Aliás, Adísia, ou melhor dizendo, a Professora Adísia Sá, como prefere ser chamada, é, de certo modo, uma mãezona de toda essa geração de jornalistas cearenses os quais ela precedeu em seus mais de cinqüenta anos de profissão, sendo a responsável pela implantação do primeiro curso de jornalismo no ceará. Essa senhora de 79 anos está longe de se aposentar. Discorre sobre os mais diversos assuntos ao mesmo tempo sem perder a linha de raciocínio. Falou sobre política, trabalho, amigos, família. Eu estava do lado. Só observando e aprendendo. Sobre os amigos ela disse que os considera muito importantes, mas que a família é algo imprescindível. Dentre os muitos outros assuntos que abordou, falou um pouco sobre o seu último livro, motivo de estar ali, pois levava alguns exemplares para o proprietário da empresa, que os havia encomendado. O livro, intitulado: “Capitu conta Capitu”, já está em sua segunda edição e tem exatamente a função de dar voz à personagem de Machado de Assis que é acusada de trair o marido, o ex-seminarista Bentinho, no clássico da literatura brasileira “Dom Casmurro”. Os machadianos se dividem quanto à suposta traição que originou a obra de Adísia Sá (uma espécie de resposta de Capitu às afrontas de Bentinho). Alguns afirmam que Capitu não enganou o marido, enquanto outros não têm dúvida da traição. Mas o livro de Adísia, ao contrário do que alguns podem pensar, não é uma carta de defesa, e sim um grito de liberdade. Na obra, Capitu não procura se justificar, mas assumir o seu diretor de “viver e não ter a vergonha de ser feliz”, como diz a letra da canção. Ansioso por conhecer a opinião de Adísia sobre esse livro que já rendeu filmes, minisséries e novelas globais, apressei-me em reler Dom Casmurro e, na seqüência, de um sorvo só, a resposta de Capitu. Confesso que fiquei um pouco chocado no início, talvez porque esperava uma justificativa de Capitu e não uma confissão. Contudo, achei fantástica a forma como a autora expõe a trama, dando voz a heroína “muda” e desmistificando falsos pudores. Por fim, recomendo a leitura do livro, que pode ser perfeitamente compreendida mesmo por quem ainda não leu o clássico machadiano.

Eterna maquiagem

Muitas pessoas já tentaram, em vão, enganar a morte. Fórmulas mágicas, simpatias, cremes rejuvenescedores, pílulas da saúde, exercícios físicos, alimentos diferenciados e todos os artifícios possíveis e imagináveis. Contudo, como diria Chicó, personagem vivido por Selton Melo em “O Auto da Compadecida”, um dia todos se encontram “com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre.” Diante da constatação do fato, ou seja, da morte, cumpre-se um ritual desconfortantepara os familiares, que têm a responsabilidade de preparar o corpo para as últimas homenagens. As pessoas que participam da cerimônia de despedida, olhando o morto no esquife com aquela aparente serenidade, costumam dizer: “parece que está dormindo”. Ou ainda: “nem aparenta que está morto”. É comum ouvirmos esses tipos de comentários, mas o que a maioria não sabe é o processo por trás de toda essa aparente “boa impressão” causada pelo finado, ou melhor dizendo, a pessoa responsável por esse trabalho. Gustavo Meireles coordena a equipe incumbida por dar essa aparência aos seus “clientes” na Funerária Ternura, localizada em Fortaleza. Ele esclarece que, em geral, o maquiador também tem habilidades com técnicas de embalsamento, raramente ele apenas maquia o cadáver. O curso técnico de maquiador existe em São Paulo, Belo Horizonte e também na Bahia, mas a profissão isolada ainda não é reconhecida. Mesmo sem o reconhecimento oficial, o ofício já tem nome: necromaquiador. Mas não há quem escape do já tradicional rótulo de “maquiador de defunto”, brinca ele. O curso superior de embalsamador pode ser feito na Unesp, em São Paulo. Tem um profissional formado que integra a equipe e é responsável pela reciclagem do grupo. Sobre o preconceito ele diz que existe, mas também não anda por aí espalhando aos quatro ventos a sua profissão. “Tenho medo de que me neguem um aperto de mão”, descontrai ele, abordando um pouco sobre a segurança da equipe e os equipamentos utilizados para a proteção durante a atividade. Indagado se a profissão é rentável, ele esclarece que sim pois “todo dia morre gente”. O preço do serviço varia de 400 a 900 reais por pessoa, dependendo do grau de dificuldade. O tempo em que essa maquiagem irá permanecer também é um fator a se levar em conta, tendo em vista que alguns corpos demoram mais para serem sepultados, necessitando, portanto, de uma maquiagem mais duradoura. A título de curiosidade, o material utilizado é o mesmo para vivos e mortos. Quando o cadáver apresenta algum tipo de perfuração no corpo que não possa ser ocultado pelas roupas, utiliza-se uma cera necrofílica, isso após a sutura feita pelo técnico embalsamador. Com o orifício encoberto fica mais fácil o trabalho do maquiador. Sua função é transformar aquele cadáver que chega, na maioria das vezes horripilante até para os técnicos, em um ser com aspecto que transmita tranqüilidade e paz para seus familiares. Dependendo do estado do corpo, algumas vezes os familiares mandam uma foto para ajudar na reconstituição. Para Gustavo, o valor financeiro é o que menos importa nessa hora. Muitas pessoas nem sabem que o serviço existe, pois geralmente é incluso no “pacote”, e quando se deparam com o corpo, depois de pronto, até estranham, pois quando o viram na última vez as feições eram bem diferentes. O procedimento da maquiagem, que leva em média de 20 a 30 minutos, permite um retoque no rosto, fazendo desaparecer os hematomas e a palidez cadavérica, resultando em algo bem próximo da aparência natural da pessoa. Gustavo se diz orgulhoso de sua profissão, principalmente, porque consegue enxergar os resultados do seu trabalho nos rostos dos vivos, que ficam mais aliviados quando vêem seu ente querido com um aspecto menos grotesco do que estava antes de chegar ali. Ele costuma dizer que “a morte não é tão feia como pintam, o que pode ter ocorrido é que alguém exagerou na maquiagem”.

Café com leite

O título parece bem inocente: “Café com leite”. Mas logo no início do filme nos deparamos com assunto de gente grande. E não estou me referindo a cena inicial em que dois rapazes seminus acordam juntos aos beijos e afagos. É bem verdade que à primeira vista existe um choque perceptível na platéia mais desavisada, ocasionando, inclusive, a saída antecipada dos indivíduos mais “pudicos”, como aconteceu no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, onde algumas pessoas saíram da sala logo no início do filme. Felizmente, o mesmo não aconteceu durante a sua exibição na 3ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, realizado em Fortaleza. Quando me refiro à seriedade do conteúdo estou me reportando a abordagem que se faz quanto à fragilidade de uma relação familiar onde o “morar junto” não significa exatamente “conviver com”. Daniel Ribeiro retrata as dificuldades de um relacionamento familiar onde dois irmãos, Danilo (Daniel Tavares) e Lucas (Eduardo Melo), mesmo morando sob o mesmo teto, somente passam a se conhecer de verdade depois da morte dos pais. A opção sexual do irmão mais velho, que namora Marcos (Diego Torraca), não é necessariamente o foco da fictícia história. A troca do seu sonho de desfrutar a liberdade nos braços do amante pelos cuidados com o irmão mais novo é o ponto alto da trama. Claro que essa relação não dá pra passar desapercebida, mas o que chama mesmo a atenção é a descoberta que os irmãos têm um do outro, estabelecendo-se um laço de afetividade que ambos não conheciam. “Café com leite” não está preocupado em fazer apologia à diversidade sexual nem tampouco abordar o preconceito social com relação ao amor entre dois homens, mas expõe, de forma sensata e com pitadas de bom-humor, um cotidiano que envolve e ao mesmo tempo emociona o expectador, que fica imaginando o rumo que o diretor dará aos personagens. Talvez por essa leveza, não estranhemos a presença de uma criança no meio desse relacionamento “pouco ortodoxo”. Na verdade, o garotinho constitui-se em uma peça fundamental no texto de Daniel Ribeiro, alternando momentos de carência (quando quer chamar a atenção de Danilo), e maturidade (no trato com o namorado do irmão). Dentre as muitas premiações quer já conquistou, Café com Leite foi eleito o melhor curta da mostra Geração, dedicada a filmes que tenham crianças ou adolescentes como personagens principais, ganhando o Urso de Cristal no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na mesma ocasião em que Tropa de Elite recebeu o prêmio máximo, o Urso de Ouro. Depois vieram os prêmios em Torimo, Miami, e em outros tantos festivais nacionais e internacionais. Acredito que o sucesso do filme consiste na simplicidade com que foi idealizado, sem muitas pretensões, como frisou o autor em entrevista após a premiação em Berlim, mas ao mesmo tempo com a emoção necessária ao encantamento do público.

Boa sorte, jornalistas!

Quando estava em cartaz o filme “Boa Noite e Boa Sorte”, ouvi uma crítica a respeito do mesmo que desestimularia qualquer pessoa desavisada a assisti-lo. Em um jornal local, vi uma pequena nota que dizia que o filme tendia a não fazer sucesso por aqui, pois tratava de um assunto focado em um universo bem diferente do cotidiano de nós brasileiros. Era mais um episódio isolado que acontecera nos EUA na década de 50. O fato é que, naquela época, já pensando como jornalista, decidi não acreditar em tudo o que lia por aí, e fui conferir de perto se realmente era verdade que o filme não valia a pena. De besta o filme não tinha nada, eu é que fiquei besta com um comentário descabido como aquele. É verdade que o filme se reporta a um episódio de censura interna vivido pelos EUA, mas ao analisar o todo, não tem como não enxergar uma verdadeira aula de jornalismo. Acredito que se alguém quer seguir carreira de jornalista e está em dúvida, deveria assistir ao filme, não para se convencer a abraçar a profissão, mas também para desistir, se for o caso. O filme é uma realidade do cotidiano em uma redação, que não precisa ser necessariamente americana. A lição, que deve ser aprendida por americanos, brasileiros e todos os profissionais da área, independente de nacionalidade, é que um jornalista de verdade tem que cumprir seu dever de reportar com o máximo de veracidade possível os acontecimentos. Nas redações brasileiras também estamos sujeitos a enfrentar censuras. E não apenas uma censura externa, como fez o senador McCarthy com Edward Murrow, mas também interna, ou seja, jornalistas censurando jornalistas. Parece uma piada, mas a verdade é que não há graça nenhuma em se escrever um texto, na maioria das vezes denunciativo, e o ver barrado porque “o jornal” não quer ofender essa ou aquela pessoa. Temos exemplos de pessoas bem próximas a nós que relatam esse tipo de censura. É um patrocinador que não pode ficar descontente, um político influente que não quer ver o filho nas páginas policiais ou um empresário que pensa que pode comprar tudo o que quiser. E o que fazer? Deixar a profissão? Definitivamente, não! Ainda dá pra fazer jornalismo com responsabilidade, primando pela veracidade dos fatos e respeitando o leitor. Como acontece no filme, em determinado momento é necessário peitar alguém de frente, mas em outros casos também podemos tomar atalhos. E que atalhos seriam estes? Um texto mais elaborado. Com palavras escolhidas e informações bem apuradas. Fotos discretas, mas que mostre a realidade dos fatos, enfim, um jornalismo eficiente, sem mutilações que prejudiquem o leitor e que procura passar uma boa exposição das informações. O jornalismo hoje, infelizmente, ainda é visto como uma profissão de “status” para uns e “pau-mandado” para outros. O que devemos fazer é levantar questões, a partir da academia, sobre a importância do jornalismo não como dono da verdade, mas como um meio onde se é possível, inclusive, discordar da verdade. Somente assim poderemos vivenciar uma profissão com ares da tão sonhada liberdade que muitos jornalistas sonham ter. Sabemos que é difícil conquistar essa liberdade, até porque a mídia é mantida por anunciantes que invariavelmente viram notícia, e nem sempre boa notícia. Mas é como frisa Morrow em seu discurso final, onde ele afirma, no momento em que está recebendo uma homenagem, que o real papel da TV na formação da sociedade não deve restringir-se a ser uma caixa de luz e fios para emburrecer e desviar a atenção das pessoas, e sim um instrumento para fazê-las pensar.

Um Português “bem dizido”

É comum ouvirmos comentários acerca da riqueza do nosso idioma português brasileiro. Sua extensa gramática e infindáveis vocábulos enchem de orgulho aqueles que, munidos de dicionários, livros, manuais, métodos e materiais afins, defendem com unhas e dentes o correto uso da nossa língua falada e escrita. Infelizmente, a realidade do nosso dia-a-dia é bem outra. Temos uma linguagem rica, sim, mas pouco explorada e menos ainda valorizada por muitos brasileiros. Não é raro ouvirmos o uso incorreto do português por uma grande maioria que se preocupa apenas em estar sendo entendido, dispensando a linguagem formal e adaptando-se às gírias e “expressões rápidas” de comunicação. Existem casos, inclusive, em que falar o português corretamente parece “coisa de gente besta”. Conjugar os verbos nos tempos corretos pode levar um jovem a ser tratado de “fresco” pelos colegas. Embora na escrita exista uma certa preocupação de expressar-se corretamente, o mesmo não acontece quanto à comunicação verbal, pelo menos não no convívio diário. Mas o que leva uma pessoa à não valorizar algo tão importante como o seu idioma? É de se entender que inúmeras línguas tenham sido extintas pela imposição dos conquistadores de diversas épocas. Mas parece que agora nós é que estamos praticando esse crime contra nós mesmos. Centenas de tribos indígenas não tiveram a chance de preservar a sua cultura, muito menos o seu idioma. Contudo, nós, aparentemente civilizados, estamos depreciando esse valioso tesouro. Não digo que devêssemos falar eternamente um português formal e sem alterações, adaptações são bem-vindas e necessárias. O que não se admite é a importação de expressões em suas línguas originais, quando as mesmas poderiam facilmente se adaptar ao nosso bom português. Não podemos esquecer que a linguagem de um povo é também a sua identidade cultural, pois traduz a sua maneira de ver o mundo, revelando seus valores, sentimentos e pensamentos. Sem querer explorar muito essa globalização da nossa língua, é importante frisar apenas que, se não temos vergonha de balbuciar expressões de um idioma qualquer, sendo muitas vezes ridicularizado pelos colegas, porque não nos aprimorarmos ao uso correto, ou pelo menos perto do que seria isto, do nosso próprio idioma? Seria, no mínimo, um bom começo.